quinta-feira, 23 de junho de 2011

Hare Krishna: “Não somos hindus!”


Hare Krishna: “Não somos hindus!” 
- somos islâmicos! -

Prahladasa Nimay

texto em colaboração com os estudos de

Swami Subramuniya





O texto a seguir somente foi possível devido aos estudos iniciados por Sua Santidade Swami Subramuniya, fundador do Kauai Hindu Monastery, e da revista internacional, Hinduism Today.


Nós não somos hindus! (Srila Prabhupada)

Abhay Charan, conhecido como Prabhupada, durante suas conferências, vai tecendo claramente a origem filosófica de sua seita, dando as pinceladas da sua formação. Escreve em “The Science of Self Realization” (CAR), artigo referente a “Consciência de Krshna, Culto Hindu ou Cultura Divina?”, pensamos que, se traduzido para o português, deve ter seguido a linha da má tradução e interpretação peculiares, encontradas no que Abhay escrevera ou falara (típico de quem pretende manter um autor atualizado e contextualizado, mesmo que suas ideias sejam díspares do tempo). Diz Abhay Charan, “Há um conceito errado de que o movimento da consciência de Krsna representa a religião Hindu... Alguns indianos, tanto dentro como fora da Índia, pensam que nós estamos pregando a religião Hindu, mas de fato nós não estamos”.  CAR, primeiro parágrafo.

Subramaniya Swami, o fundador do Hinduism Today, escreveu o seguinte: “A questão de quem é um Hindu - alva e clara para o governo indiano, e documentada na Constituição -, continua a causar perplexidade para aqueles que adoraram o Yoga e muitas crenças Hindus. Numa investigação permanente de ‘Hinduism Today’, ficou claro que a ISKCON, a ‘International Society for Krishna Consciousness’, é enfaticamente um organização não Hindu. Caso você não creia nisso, então ouça o que Sri Prabhupada, com suas próprias palavras, está pregando contra o Hinduísmo em seu livro intitulado ‘The Science of Self Realization’”.

Será que os Hare Krishna são Hindus?
As citações do ISKCON de Srila Prabhupada são muito claras, ou será um equívoco o que escreveu A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada, em 1977? Em “The Science of Self Realization”, que “... o movimento da consciência de Krishna representa a religião Hindu? Algumas vezes indianos, tanto na Índia como fora, pensam que nós estamos pregando a religião Hindu, mas de fato não estamos”. No capitulo três do livro referido (traduzido para o português como Ciência da autorrealização), este ponto impressionante é citado várias vezes, reforçando Prabhupada: “O movimento da consciência de Krishna não tem nada com a religião Hindu ou qualquer sistema de religião... deve-se entender claramente que o movimento da consciência de Krishna não está pregando a assim chamada religião Hindu”.

Os seguidores de Srila Prabhupada têm juntado todas as cartas, livros, palestras, entrevistas e conversações no Bhaktivedanta Vedabase (e que também está disponível no Bhaktivedanta Archives). Há um CD-rom que possui 183 referências ao Hinduísmo (com “h” sempre minúsculo), os quais foram compilados e devidamente analisados, para entendermos o ponto de vista de Srila Prabhupada e sua visão para com o ‘hinduísmo’. Segue Subramuniya Swami escrevendo que, “Repetidas vezes Srila Prabhupada simplesmente nega a existência de uma religião chamada de Hinduísmo. Ele atribui a isso o fato de ser uma designação imprópria dada por ‘invasores estrangeiros’. Em outras vezes, ele reconhece a existência da fé, mas a considera inesperançosa e uma degradada forma do Sanatana Dharma original dos Vedas. Na sua palestra de abril de 1967, ele frisou: ‘Embora fazendo-se passar por grandes estudiosos, ascetas, chefes de família e Swamis, os então chamados de seguidores da religião Hindu, são todos imprestáveis; ramos secos da religião Védica’. Ele cria que a ISCKON era a única verdadeira expoente da fé Védica dos dias de hoje. Numa entrevista dada ao Bhavan´s Journal, em junho de 1976, ele disse: ‘Na Índia, eles abandonaram o verdadeiro sistema religioso, Sanatana Dharma. Ficticiamente, eles têm aceitado uma mistura de coisas as quais chamam de Hinduísmo. Portanto, isso é uma confusão’”.

Prabhupada, frequentemente, explicava a sua posição, e agia de acordo com suas crenças no estabelecer uma Sociedade dinâmica. Em 1974, numa palestra em Mumbai, ele declarou: “Nós não estamos pregando a religião Hindu. Enquanto uma sociedade registrada, eu propositadamente mantive o nome ‘Krishna Consciousness’, nada de religião Hindu, ou Budista ou Cristã”.

Srila Prabhupada estava consciente de que a comunidade indiana tinha uma visão equivocada sobre a posição dele desprezando o Hinduísmo. Numa carta de 1970, para um administrador de templo em Los Angeles, ele escreveu: “A comunidade Hindu do Ocidente não tem bons sentimentos para comigo, porque superficialmente eles estão vendo que eu estou espalhando a religião Hindu, mas de fato, este movimento da consciência de Krishna não é nem Hindu ou de qualquer outra religião”.

A coisa fica mais confusa hoje, uma vez que Prabhupada não deixou sucessor com autoridade para mudar sua ordem espiritual. Então, por que, a comunidade Hindu em geral crê de forma equivocada que a ISKCON é uma organização Hindu, quando jamais o fundador aceitou isso como tal? Bem, algumas vezes é feito. Durante a abertura recente de um templo da ISKCON em Nova Delhi, e em Bangalore, havia jornais que com frequência identificavam os grandes templos deles como sendo “Hindus”, apesar de que os impressos jamais usarem a palavra “Hindu”. Também, quando os devotos indianos servem a cada um daqueles templos, onde foram citados naqueles artigos pelos jornalistas, eles dizem que é um templo “Hindu”. A discrepância entre a percepção pública e a política interna está além das exceções de um grupo oficial para a posição não-hindu do fundador. Diante destas dificuldades, os líderes da ISKCON têm apelado para a comunidade Hindu para dar base a eles, como visto numa disputa no Bhaktivedanta Manor no Reino Unido, ou quando em briga com os cristãos na Rússia e na Polônia. Nos apelos aos juízes e governos, a palavra Hindu é abertamente usada. Em outros casos legais, incluindo um na Suprema Corte dos Estados Unidos, como mostra na contra-argumentação do rótulo de “culto” dado por ela, e eles clamando ser de linhagem Hindu tradicional, tendo, inclusive, pedido para que outros Hindus afirmassem isso. Por outro lado, outras organizações que se separaram do Hinduísmo, tais como Meditação Transcendental, Ananda Marga, e Brahma Kumaris, não abrem mãos desta posição em qualquer circunstância. O que coloca a ISKCON a parte é o seu repúdio aberto e o criticismo ao Hinduísmo ou Sanatana Dharma, especialmente encontrado entre seus membros. Há relatos de Hindus que se juntaram a ISKCON como uma forma de rejeitar a religião familiar; "Anteriormente nós éramos Hindus, agora somos Hare Krishna”, dizem alguns. E, ao mesmo tempo, a organização frequentemente apela para a comunidade Hindu, e pessoas de negócios, para apoio financeiro, e programas sociais, bem como ajuda política para proteger a ISKCON dos seus caluniadores.

Conclui Subramuniya Swami, “Considerando-se a aparência como se vestem os membros da ISKCON, seus nomes, o Bhajan, festivais, adoração, escrituras, peregrinação, construção de templos, e assim por diante, será uma pequena maravilha se muitos deles assumirem que são Hindus. Ao descobrir sobre a situação do seu fundador e o Hinduísmo, certamente, muitos irão ficar surpresos, tantos os Hindus como os não Hindus. Isso, talvez, até mesmo surpreenda uns poucos Hare Krishnas em si mesmos”.

Ciência da Autorealização (CAR)
A seguir, algumas poucas citações de Abhay Charan (Bhaktivedante Swami) sobre os Hindus, que estão localizadas em Ciência da Autorrealização :

“O título “hindu”, “muçulmano”, ou “cristão”, é um mero rótulo. Nenhum deles sabe quem é Deus e como amá-lO” CAR, p.4

“O dicionário também diz que Krishna é o nome de um deus hindu. Mas, se podemos atribuir algum nome a Deus, este nome é Krishna”. CAR, p4.

“Das espécies humanas, a maior parte são incivilizadas, e das poucas espécies civilizadas apenas um pequeno número de seres humanos adota a vida religiosa. Dentre muitos ditos religiosos, a maior parte identificam-se por designações, afirmando ‘eu sou hindu’; ‘eu sou muçulmano’, ‘eu sou cristão’, e assim por diante. Alguns dedicam-se à filantropia, outros dão caridade aos pobres, abrem escolas e hospitais. Este processo altruísta chama-se Karma-kanda” CAR, p.8

“Não importa que você seja um cristão, um hindu, ou um muçulmano. O movimento para a consciência de Krishna admite qualquer pessoa que queira compreender a ciência de Deus” CAR, p.10

Consciência de Krishna, culto hindu ou cultura divina?
Ao situar o movimento da consciência de Krishna dentro de um contexto histórico-cultural conveniente, muita gente identifica o movimento com o “hinduísmo”. Mas isso é um erro, conforme o próprio fundador da ISKCON argumenta. Srila Prabhupada nega por completo a relação com o panteísmo, o politeísmo e a consciência de casta que impera no hinduísmo moderno. Se bem que, a filosofia da consciência de Krishna e o “hinduísmo” moderno, compartilham de uma raiz histórica comum – a antiga cultura védica da Índia – o hinduísmo, juntamente com as outras “grandes religiões”, se converteu em uma instituição sectária, enquanto que a filosofia da consciência de Krishna é universal, e transcende as relativas designações sectárias, vejamos alguns exemplos dado pelo fundador da ISKCON:

“... às vezes, os indianos, tanto fora quanto dentro da Índia, pensam que estamos pregando a religião hindu, mas na verdade não é isso”. CAR, p.11

“ O Movimento da Consciência de Krishna nada tem a ver com a religião hindu ou qualquer outro sistema de religião”. CAR, p. 12

“Deve-se compreender claramente que o movimento da consciência de Krishna não está pregando a suposta religião hindu. Estamos apresentando uma cultura espiritual que pode resolver todos os problemas da vida...” CAR p12

Em todo o mundo, as pessoas amam não a Deus, mas a seus cães... não somente os cristãos, mas os maometanos e todos os hindus são culpados. Eles se rotulam como ‘cristão’, ‘hindu’, ou ‘maometano’, mas não obedecem a Deus. Esse é o problema”. CAR, Compreendendo Krishna e Cristo.

“Eles não são sannyasis (os membros da ISKCON), nem são vedantistas, nem hindus, nem indianos, mas estão levando este movimento muito a sério”. CAR p8

 “... os hindus modernos não estão seguindo estritamente as escrituras hindus....” CAR, p.13

Quem é hindu?
Pode-se ver nas breves citações acima, muito claramente nos seus escritos, que Abhay Charan não contava com a “era da Informação”, como o acesso à internet, onde qualquer um, sabendo como pesquisar, pode acessar qualquer biblioteca, seja online ou não, e conferir de perto livros, textos, citações, e mesmo os mais antigos e raros documentos sobre o Dharma indiano. É sabido que o Ocidente tem certo desprezo ou indiferença pelo pensamento oriental. Isso não é de se estranhar. As razões são inúmeras, mas podemos facilmente depreender uma conclusão de o fato da predominância do pensamento judaico-cristão entre os Europeus e Americanos, e sua abjeção aos que lhes são considerados “estranhos morais”. Especialmente os povos menos favorecidos com educação e erudição, como o notável exemplo da América Latina, seguem a visão sectária e monolatra, ficando tão somente presos aos mitos, crenças, e ideias exógenas impostas geração após geração. Os então “colonizadores evangelizadores”, chamavam o povo fora do seu moralismo de “pagão”, e aqueles, vindos de países onde sua crença já era plena em decadência, tinham ainda esperanças de mantê-la por mais alguns séculos, e assim garantir o seu rico ganha-pão na exploração da ignorância de ‘índios” e “incivilizados”, como chamavam (modelo mantido por Abhay Charan, conhecido como Srila Prabhupada). O modelo de marketing foi bem incorporado por alguns especialistas em negócios religiosos, de tal forma que conseguiu penetrar no Ocidente, morada ampla de consumidores.

Abhay Charan tinha pouco ou quase nenhum acesso a textos e literatura sânscrita em sua época. Poucas editoras até hoje na Índia editam livros como o Bhagavatam, ou mesmo Bhagavad-gita, no original. Talvez a Gita Press seja uma das poucas e raras editoras que segue sua linha editorial de textos clássicos, sem interpretações ideológicas de grupos, seitas ou facções religiosas. Este pouco acesso era visto como uma tendência irredutível, a ponto de poder “desaparecer com o avanço da Kali-yuga”, ele tampouco concluiu o curso superior na área da química que iniciara, dedicando a atividade leiga, produzindo um tipo de linimento para dores. Jamais cursou qualquer faculdade de filosofia ou similar. Contrariando, e muito, os membros da Gaudiya Sampradaya (diferentemente da gaudiya matha fundada por Bimala Prasad, o 'guru' de Prabhupada). Mas o mundo mudou, e todos podem acessar grande parte da literatura original védica em grandes bibliotecas ao redor do mundo, sem mesmo precisar sair de casa. Boa parte dos livros que foram editados pela então BBT, na realidade, foram composições feitas por adeptos novatos norte-americanos, das palestras de Prabhupada, aqueles, nada acostumados com o Sânscrito, por exemplo, nem como filosofia ou gramática, como podemos ver numa conversa realizada entre Prabhupada e os seguidores Ocidentais, no dia 22 de junho de 1977,  conforme a seguir:

Srila Prabhupada: Onde estão os outros?
Tamala Krsna:  pego outras pessoas? Satadhanya Maharaja? (longa pausa).
Sril Prabhupada: esse... encontre este verso: ‘munayah sadhu prsto ‘ham... (SB, 1.2.5).
Tamala Krsna: não está no índice. Este não é o novo Bhagavatam. Não há índice neste Bhagavatam. Munayah sadhu? “Os efeitos da Kali-yuga”, capítulo? Este é o verso sobre os efeitos da Kali-yuga? Não, (conversação de fundo, procurando pelo verso): munayah sadhu prsto 'ham bhavadbhir loka-mangalam yat krtah krsna-samprasno yenatma suprasidati [SB 1.2.5] “munayah- dos sábios; sadhu- isso é relevante; prstah- perguntado; aham...”
Srila Prabhupada: Não? O que é isso? Sadhu? O que é isso? Munayah?
Tamala Krsna: diz, “sadhu- isso é relevante”.
Srila Prabhupada: relevante?
Tamala Krsna: isso é o que está traduzido como “isso é relevante”. Talvez seja um engano.
Devoto (1): Isso é um engano.
Srila Prabhupada: Munayah?
Tamala Krsna: “munayah- dos sábios; sadhu- isso é relevante...”
Srila Prabhupada: sem sentido! Eles são... eles estão corrigindo minha tradu.... Patifes. Quem fez isso? Munayah está direcionado a todos este Munis.
Tamal Krsna: “isso está direcionado aos munis?
Srila Prabhupada: Sim.
Tamala Krsna: sadhus: grandes sábios.
Srila Prabhupada: Sim. Sadhu significa que eles são muito puros. O que pode ser feito se isso vem pra cá, e estes patifes se tornam “letrados” em sânscrito, e fazem todos estes absurdos? Um “culto” em Sânscrito enganado ... que patife! Ele tira... o que é seu.../? Saci-suta? Saci-sandana?
Tamala Krsna: jaya-sacinandana?
Srila Prabhupada: E eles estão mantendo isso. Significado diferente.
Tamala Krishna: “Bhavadbhih- por todos vocês; loka- o mundo; mangalam- bem-estar; yat- porque; krtah- feito; krsna- a Personalidade de Deus; samprasnah- questão relevante; yena- pelo qual; atma- ser; suprasidati- completamente satisfeito. Tradução: “ó sábios....”
Srila Prabhupada: Agora, aqui é “ó sábios”, e no significado palavra está “dos munis”. Apenas veja. Tal é a patifaria do “estudioso” do Sânscrito. Aqui isso está direcionado, sambodhana, e eles tocam (?) isso “munayah- dos munis”. É um grande risco dar a eles a direção editorial. Pouco conhecimento é perigoso. Todavia, estudioso apropriado do Sânscrito, pouco estudo, perigoso. De uma hora para outra eles se tornam grandes eruditos; altamente assalariados, e todas estas tolices. Quem são eles? (pausa), então?
Tamala Krishna: “ó sábios, eu fui...”
Srila Prabhupada: Não, eles não podem ser confiáveis. Eles podem fazer mais danos. Apenas veja a graça (?).
Tamala Krishna: sim. Nós descobrimos que no quinto canto há palavras que estão fora, o significado mudou completamente. Eu penso que no terceiro capítulo que nós lemos, Bhakti-prema Maharaj fez uma meia dúzia de correções de correções sérias. Eles têm mudado o significado.
Svarupa Damodara: alguns dos erros no número das figuras.
Tamala Krishna: ah, sim, todos elas estão...
Srila Prabhupada: então, como eles podem ser confiáveis, assim chamados, deste modo? (sussurro de fundo) hmm?
Yasoda-nandana: no Gurukula nós estamos dando aulas de Isopanisad para as crianças. Então nós pegamos... (inaudível)... Prabhupada e as palavras cuja recente edição da Press estão erradas. Muitas mudanças foram feitas. Eles estão tentando fazer um “inglês” melhor, mas algumas vezes, para fazer um inglês melhor, eu penso que eles estão cometendo erros filosóficos também. Não há muita necessidade de tornar o inglês melhor. Seu inglês é suficiente. Ele é muito claro, muito simples. Nós vimos 125 mudanças. Eles estão mudando muitas coisas. Nós duvidamos que fossem necessárias. Iremos mostrar isso para o senhor agora. Eu mantenho o livro.
Srila Prabhupada: E o que estes patifes estão fazendo? O que pode ser feito? Como podemos confiar neles?
Svarupa Damodara: não é responsabilidade da gestão do BBT ver sobre estas mudanças sem a permissão de Prabhupada?
Srila Prabhupada: E Ramesvara negligenciando isso. O grande patife é Jagannatha? Ele está em Los Angeles.

Mas na conversa toda não vemos somente os absurdos cometidos pelos inexperientes ascetas seguidores da ISKCON da época, bem como a fragilidade de entendimento da Filosofia Ocidental por parte dos debatedores. Claramente, a crítica que fazem à visão dos filósofos nos demonstra como ignoram a Filosofia. Um fracasso sem igual fora a publicação de um amontoado de conversas, provavelmente fictícias, entre Prabhupada e alguns membros da ISKCON, intitulado "Espiritualismo Dialético", onde evidenciamos claramente o desconhecimento da Filosofia, por parte dos protagonistas, bem como das ideias apresentadas, sem nenhuma hermenêutica ou mesmo heurística. Este 'livro' não foi mais reeditado, porque tamanhas foram as críticas e como eram insustentáveis as teses, não quiseram expor novamente a fragilidade intelectual do suposto autor dos textos.

A monolatria
Na visão da monolatraia ,é considerado que há somente um Deus supremo, mas há outros seres subservientes. Eles são frequentemente chamados de “emissários divinos”, “anjos”, “arcanjos”, "semi-deuses", etc.; os textos monólatras estão cheios deles, têm nomes, e diferentes funções, onde aqui achamos desnecessário enumerar. Mas o monoteísmo da tradição muçulmana tem uma influência notável no pensamento de Abhay Charan, quer por sua formação em escolas Anglicanas – de tradição judaico-cristã, quer pela influência política real inglesa da época. Por sua vez, a redução feita por Prabhupada da doutrina de Sri Krsna Caitanya, notavelmente um Sankarite da tradição de Adi Sankara (a quem Prabhupada considerava um materialista ateu; um 'budista disfarçado'). Para o bem da verdade, a visão restrita, advinda do islâmico supostamente ‘convertido’ à visão indiana, Jiva Goswami – ou  talvez mal atribuída àquele por Prabhupada-, deixou marcas profundas no pensamento que se sucedeu dali em diante. Jiva, não conseguiu libertar-se das suas raízes muçulmanas, nem mesmo apesar de dizer “manifestar devoção por Krsna”, conforme alguns comentam que tinha na infância. isso é bem claro em todos os escrituras atribuídos a sua pessoa. Num breve estudo da sua biografia, vemos que a proximidade com seus tios, Rupa e Sanatana, ambos Goswamis, trouxe-lhe alguma familiaridade na sua forma de pensar e agir, com relação ao modo como transfigurou a filosofia de Caitanya.  Mas se olharmos de perto, veremos que o nome “Krsna” passa a ocupar a posição do monoteísmo monólatra muçulmano, tal qual o Alah defendido tradicionalmente pelos islâmicos. O nome “krsna”, devido à proximidade com o nome “christo”, do cristianismo, reduz-se em Jiva a “bhagavam”, “o Senhor”, algo muito próximo ao “profeta supremo” Maomé, e isso encheu a imaginação dos especuladores. Diz Srila Prabhupada, Cristo é outra forma de dizer Krishta, e ‘krishta’ é outra forma de pronunciar Krishna, o nome de Deus. Jesus disse que devemos glorificar o nome de Deus... Um filho talvez chame seu pai de ‘pai’, mas o pai também tem um nome específico. Similarmente, ‘deus’ é o nome genérico da Suprema Personalidade de Deus, cujo nome específico é Krishna. Portanto, seja como você chame ‘deus’, Cristo, Krishta, ou Krishna, no final das contas você está se direcionando a mesma Suprema Personalidade de Deus”. CAR, Krishna, Christos, Christ. A releitura de Prabhupada é sem dúvida uma herança Jivanista. Todos sabemos que Muhammad ibn ‘Abdullāh, é o nome original do profeta de Alah, considerado o fundador do Islamismo, por volta do ano no séc. VI-VII. Na visão islâmica, Alah é deus é Maomé o seu profeta. Portanto, segundo o islamismo, há somente um único deus chamado Alah, quem é o senhor de tudo. Assim é que Jiva tenta mal conciliar a visão abundante e variada no Santana Dharma com a visão restrita e persecutória do modo de pensar das tradições judaico-cristãs, onde nelas, evidentemente, se encaixa a visão do monoteísmo monólatra muçulmano ou islâmico, bem distante do pensamento panteísta védico onde tudo é Deus.

Caitanya e o monocentrismo
O clima da época do aparecimento de Caitaya (por volta do séc. XVI) era de perseguição ideológica, política e religiosa, por parte dos muçulmanos. Os muçulmanos ocupavam o território indiano já há séculos, e nele impunham suas formas de pensar e agir. Basta vermos os trajes e roupas que a Índia usa hoje, bem como os pratos como halavah (doce de Allah), por exemplo, entre outros tantos, uma herança cultural dos árabes. Por outro lado, quem fosse contrário ao regime muçulmano, tinha sua cabeça cortada fora, ou esmagada pela pata de um elefante, ou mesmo era esquartejado, tendo suas partes salgadas e espalhadas pelas praças dos vilarejos. Esta influência muçulmana não se desfez de uma hora para outra. A Psicologia afirma que são necessários apenas 10 anos para que as impressões, ideologias, e ethologia fiquem impregnadas dentro de uma pessoa. A Índia viveu o domínio e ocupação muçulmana por séculos, quem sabe, milénios, e não se poderia esperar outra coisa senão uma miscigenação entre as ideias do Sanatana Dharma - quase que inteiramente esquecido desde o início das ocupações estrangeiras-, e a visão monoteísta muçulmana, da tradição judaico-cristã. Apesar de o Sanatana Dharma ser também monoteísta, e até mais do que a visão monocêntrica da tradição judaico-cristã, e apesar de possuir uma grande variedade de formas e maneiras de expor o Uno, isso não é compreendido por aqueles que possuem uma visão sectária, ou de monolatria, onde creem ingenuamente que há “deuses secundários” a um primeiro que é o chefe de todos. Claro que as antigas visões mitológicas, na realidade, tentativas primitivas de tentar explicar ou responder dos homens diante das forças da natureza, criaram a ideia de um “controlador celeste” para cada coisa como: água, vento, fogo, etc. sendo encabeçados pelos “devas” (amigos de deus), os quais recebem nomes e também atributos, bem como veículos que os transportam, e toda uma parafernália de apêndices que os acompanham, tendo em vista auxiliar nas suas ações de servos divinos. Mas há também na religião muçulmana os “jinnis” além mesmo dos anjos (criados a partir da luz por Alah). Apesar de a palavra “anjo” originar-se de “angira”, ou devas de Agni (deva do fogo; seres de luz), há toda uma hoste de seres celestes os quais atuam como protetores e auxiliareis invisíveis dele. Gabriel é o anjo mais famoso de todos, tendo sido o intermediário entre deus e o profeta. Mas há anjos bons e anjos maus. Ao contrário dos anjos, os jinnis possuem vontade própria, por isso alguns são bons e outros maus. Um destes anjos maus é Iblis (Satanás), sendo um jinn, desobedeceu a Deus e dedica-se a praticar o mal. Anjos e jinnis aparecem ao longo do Corão como interferindo diretamente nas vontades e destinos das pessoas. Eles estão presentes até mesmo no Antigo Testamento, anunciando fatos, ordenando comportamentos, mudando o destino de povos e nações. Estes seres são, no mais das vezes, emissários celestes, enviados pelo deva supremo, mas há os que são também contrários ao “deus supremo” estando a serviço do “deus do mau” ou contrário àquele que prega o individualismo e a dissolução da ideia de grupo ou nação; eles servem ao satam (a si mesmos); o diabo, aquele que instala a discórdia.

O bem e o mal são partes da acirrada disputa entre poderes, seres celestes, e todo um conjunto que atua na unidade da hegemonia divina. Assim os escritos religiosos encabeçados por textos como o a Bíblia, o Corao, e outros, enfatizam esta disputa eterna, dando até mesmo uma conotação de inferioridade ao que chamam de deus todo poderoso quando este se defronta com seus inimigos, Interessante isso, um deus todo poderoso que não pode vencer definitivamente o mal que atormenta eternamente! Incoerente! Mas afinal, ele sempre vence as disputas; só não bem se explica porque permite que o mal exista na eternidade, se é para satisfazer a sua vontade de vencer eternamente? Digressões a parte, a ingenuidade do pensamento maniqueísta, da eterna luta pelo bem e o mal, é notável nas chamadas religiões monoteístas e monólatras. Assim estão presentes em muitas seitas chamadas “não cristãs”, e que de algum modo incorporaram aquele pensamento. A visão de Abhay Charan é uma transposição dos aspectos ritualísticos do Santana Dharma com a visão ingênua do monoteísmo muçulmano, às vezes judaico, e às vezes cristão, a ponto de aquele comparar o nome de Krishna a “Christos”, como vimos. Isso nos deixa a pensar numa quase necessidade de justificar, de desculpar-se ou até mesmo demonstrar que “o deus que estamos falando é o mesmo de vocês!”, porém apenas com um nome ligeiramente diferente. Tamanha ingenuidade não poderia ter outra origem a não ser, evidentemente, a da influência dogmática da tradição judaico-cristã, transpondo-se notavelmente nos escritos do fundador da ISKCON. O leitor poderá ver muitas outras coisas de origem islâmica no pensamento de Prabhupada, basta estudar um pouco sobre o Islamismo. Os membros engajados no movimento daquele, no começo estão vedados pelo fanatismo de regras e regulações, mas tão logo a luz do conhecimento abra-se um pouco, verão a notável transposição.

O pecado
Nas interpretações e até mesmo na “tradução” do Bhagavad-gita Como Ele É, várias vezes revisado e editado pelos seguidores de Abhay Charan, aparece a palavra “pecado”, quando sabemos que esta palavra não pertence, nem no étimo, nem no sentido, e tampouco estando no vocabulário Sânscrito, com o mesmo sentido e significado dado na tradição judaico-cristã. Os textos de Prabhupada, de fato, são uma transposição da visão judaico-cristã para o sentimento com vestimentas, traços e representações do que é encontrado na tradição no “hinduísmo”. Por sua vez, o Islamismo afirma que no dia do Julgamento Final, Yaum al-Qiuamah - na língua árabe (em que podemos ver uma semelhança com o nome do senhor da morte em Pahli), ocupado por Yamaraja na visão de Prabhupada, é o momento em que o ser humano é ‘ressuscitado’ e julgado na presença de deus pelas más ações (karma) que praticou. Os que estiverem livres de “pecado” serão enviados diretamente a morada suprema, ao verdadeiro lar, a morada de Krishna, mas os ‘pecadores’, quem não se rende a forma, visão e aparência de Krishna, irão arder no inferno. Mas assim como no Islamismo, bem como Cristianismo e outros “ismos”, as únicas pessoas que permanecem no inferno, sem ter expiação dos seus pecados, para então poderem entrar no paraíso, são os hipócritas religiosos, ou seja, o que não seguem os preceitos da seita, ou fingem que seguem, caindo em maya, sendo eternamente queimados ou fritados em óleo! Todas as outras religiões, além daquela que o fundador criou, não prestam e não servem. Uau!

Sobre a questão da mulher

Platão e Aristótles declararam que as mulheres são humanas, mas até o Conselho de Macon em 550, não havia este reconhecimento, de que as mulheres tinham alma. Em 1988, no seminário da ISKCON em Towaco, Nova Jérsei, houve a discussão se as mulheres poderiam ou não ser brahmanas [da classe dos sacerdotes]; alguns diziam que a mulher pertence a um certo varna (casta) por qualificação, isso é, uma brahmani ou mulher brahmana. Outros arguiram que as mulheres não são membros de qualquer varna, devido a sua classificação junto com os sudras, a baixa casta. Outros sugeriram que Srila Prabhupada dera iniciação brahminica para mulheres apenas para pacificá-las, mas isso não se constitui numa verdadeira iniciação brahminica... essa discussão permanecesse não resolvida”. Nori Muster, ex membro da ISKCON - Women in Iskcon.


A visão ultrapudica, onde a monogamia, bem como a noção de que somente os adeptos podem ter sexo com finalidades procriativas, é, também, uma herança do ethos judaico-cristão. As mesmas regras e regulações, que segregam homens de um lado e mulheres de outro (consideradas como 'sem alma' por parte de alguns adeptos da seita), homens na frente, quando conveniente, e mulheres atrás, considerando-as inferiores e estando abaixo dos animais irracionais, ou consideradas como 'sem alma' por parte de alguns, é, também, uma notável herança da tradição muçulmana. Podemos ler uma série de comentários, no mais das vezes, colocando a mulher sempre numa situação de inferioridade. No Bhagavad-gita Como Ele É, interpretado por Prabhupada, há uma fartura de exemplos que colocam-na numa condição de inferioridade e mesmo escravismo. Por exemplo, lemos na Introdução do livro referido, “Os seres humanos, mesmo os de mais baixo status de vida (um mercador, uma mulher, ou um trabalhador) podem alcançar o Supremo”. A mulher aparece como tendo o “mais baixo status de vida”, lamentável. No comentário do verso 1.40, lemos: “De acordo como Canakya Pandit, as mulheres geralmente não são muito inteligentes, e, portanto, não são confiáveis” (Prabhupada, Bgita, 1.40). Não raro, as mulheres são comparadas a objetos de simples desfrute demoníaco, colocando-as lado a lado com jogatinas, bebidas alcoólicas, e intoxicações diversas, sendo instrumento de demônios: “Em geral as pessoas não são muito inteligentes, e devido as suas ignorâncias elas são mais apegadas às atividades fruitivas, conforme recomendado na porção karma-kanda dos Vedas. Elas não querem nada mais do que a gratificação dos sentidos objetivando uma vida de desfrute nos céus, onde vinho e mulheres estão disponíveis, e a opulência material é muito comum” (gita, 2.42-43). Vemos bem objetivamente, que isso é uma clara referência à crença muçulmana em um Paraíso de virgens, leite e mel, como recompensa a um bom seguidor de Maomé. Assim como na visão islâmica ortodoxa, a mulher é colocada como um simples objeto de prazer, garantida na companhia celestes depois da morte, e onde quem está na seita fundada por ele, “... a pessoa não mais passa a interessar-se pelas atividades materiais, e não passa a ter prazer em arranjos como vinho, mulheres, e paixões tolas semelhantes” (bgita, 3.18). E o verso 9.32, é traduzido da seguinte maneira “Ó filho de Prtha, aqueles que se refugiam em Mim, apesar de eles terem um nascimento inferior – mulheres, vaishyas [mercantes], bem com os shudras [trabalhadores] -, podem se aproximar do destino supremo”. Uma comparação interessante, porque a mulher é equiparada a uma “trabalhadora para o prazer”, dos mundanos, ou a um “instrumento” de inferioridade, ou mesmo apenas como uma “reprodutora”.

Mas provavelmente o mais notável embroma sobre a mulher, como parte de atração demoníaca, é dado como explicação por Prabhupada no comentário, segundo o que ele acha, do verso 16.7, “... no Manu-samhita é citado claramente que uma mulher não deve ser deixada livre. Isso não significa que as mulheres devam ser mantidas como escravas, mas elas são como crianças. E as crianças não podem ser livres, mas isso não significa que devam ser escravas. Os demônios têm agora negligenciado tais injunções, e eles pensam que as mulheres devem ser dadas livremente para os homens... a condição moral da mulher não é muito boa agora”. Interessante esta relação entre “demônios” e “mulheres”, e o fato de eles terem domínio sobre a vontade delas. Apesar de Sri Krishna ter liberado Arjuna da tradição do Manusmriti (verso 18.66 do Gita), o texto é citado como referência para manter as mulheres sob jugo masculino. Mas quem são demônios? Claro que, segundo a visão sectária, todos que não pertençam a seita fundada por ele. Talvez aquela seja a razão pela qual as mulheres devem ser tolhidas em sua liberdade, tal qual fazem os islâmicos fundamentalistas com as mulheres, colocando-as 8 passos à frente de si mesmos (antes era atrás), porque podem haver “bombas no caminho”.

Conclusão
Há muitas outras citações, bem como exemplos notáveis da influência islâmica no movimento fundado pelo Abhay Charan, que vão além do maltrato para com as mulheres, ou para com o desprezo para uma vida, considerada por ele como sendo inútil e desnecessária. Contudo, o mais notável fracasso que a seita alcançou, posteriormente a morte do fundador, é o melhor dos exemplos sobre sectarismo mal administrado. Uma confusão que pretensos sucessores, mudanças do foco e das formas do padrão estabelecido previamente, e escândalos após escândalos acabou, por fim, forçando que os membros assumissem tratarem-se de uma religião, e não de uma seita ou culto, como fora classificado pelo Governo Norte-Americano. Contudo, não são estes os aspectos que nos interessa enfocar, até mesmo qualquer um poderá livremente pesquisar na infinidade de informações disponíveis sobre os desvios e escândalos existentes dentro dos que se colocaram como legítimos sucessores do fundador. 

O aspecto de se classificarem como ‘hindus’, mesmo tendo tantas vezes declarado expressamente que não são por Prabhupada, é que molesta a comunidade Vaidika indiana e do mundo. Nos é perfeitamente compreensível que, na hora da manutenção de um interesse, alguém possa recorrer a um recurso ao qual era contrário para poder proteger o pouco que sobrou de algo. Mas o que colocamos é como justificar o fato de o fundador de uma seita afirmar algo de forma enfática e os seus seguidores dizerem que não é? Duas coisas daí depreende-se: ou não leram ou não querem saber de ler do que o fundador disse e firmou como verdade indelével, porque havia dito: “eu viverei em meus livros para sempre...”, ou então já estão diante de uma nova seita a qual é mero arremedo do que fora no passado. O leitor saberá optar, quem sabe, até mesmo pelos dois aspectos.

Poucos são os locais que podem divulgar os fatos reais e impressões verdadeiras sobre o que realmente acontece por detrás de uma ideologia, que distorce os conteúdos, desinforma as pessoas, e as torna escravas de ideias. Assim esperamos que este texto tenha de algum modo contribuído para ajudar os buscadores da verdade a compreender os fatos ocultos por detrás da falsa máscara da verdade.

Hari om tat sat

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fontes
- site Betrayal of the Spirit - Nori Muster
- Conversação completa de Prabhupada sobre o Sânscrito 
 - The Science of Self Realization
- Livros em espanhol sobre os temas tratados

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